domingo, 31 de março de 2013

PARTE 02

Tasha acenou para Rose. Sua expressão era muita compreensão.
“Eu sabia... eu sabia no que Lucas e Moira tinham se transformado. Mas ainda sim, não estava preparada. Mentalmente, fisicamente ou emocionalmente. Eu acho que se eu tivesse que reviver isso, eu ainda não estaria pronta. Mas, depois daquela noite, eu olhei para mim mesma – figurativamente falando – e percebi o quão incapaz eu era. Eu passei a minha vida inteira esperando que os guardiões me protegessem e cuidassem de mim. E isso não quer dizer que eles não devam fazer isso. Como eu disse, você provavelmente poderia me aniquilar em uma luta. Mas eles – Lucas e Moira – derrubaram dois guardiões antes que nós pudéssemos dar conta do que tinha acontecido. Eu os impedi de levar Christian, mas foi por pouco. Se os outros não tivessem chegado, eu estaria morta e ele – eu decidi que não queria morrer daquele jeito, não sem lutar e proteger aqueles que eu amo. Então, aprendi todo tipo de defesa pessoal. E depois de um tempo, eu não, hum, me encaixei muito bem na alta sociedade. Então, me mudei para Minneapolis e fiz a vida ensinando os outros.”
Um grande silêncio tomou conta da cabana. Rose olhava para baixo, provavelmente tentando entender tudo aquilo. Um Moroi que aprende a lutar para se defender de Strigois é algo que soa estranho para qualquer um. Tasha olhava para um ponto distante, provavelmente revivendo mentalmente aqueles acontecimentos narrados. Eu conhecia bem aqueles fatos. Já tinha ouvido inúmeras vezes. Era uma triste história, mas com uma grande lição nela. E era essa lição que eu queria que Rose aprendesse. Lisa e Christian olhavam um para o outro, parecendo conversar apenas com o olhar. Percebendo a tristeza tomando conta do ambiente, rapidamente Tasha puxou outro assunto que nos fez praticamente esquecer a conversa sobre Strigoi. Eu e ela tínhamos muitos conhecidos comuns. Morois, dhampirs, pessoas da realeza, guardiões. Aparentemente, ela sabia da vida de todo mundo e me atualizou sobre quase todos. Embora fossem pessoas e assuntos que Rose não partilhasse, ela nos assistia com atenção, sempre se inserindo, quando podia. Eu realmente não tinha percebido o quão isolado das pessoas eu estava nestes últimos tempo.
Depois de um certo tempo, Tasha bocejou mais uma vez, olhando para o relógio, indicando que já estava tarde e que a nossa visita já tinha se estendido demais.
“Onde é o melhor lugar para uma garota fazer compras por aqui?” Ela perguntou casualmente.
“Missoula!” Rose e Lissa responderam em coro. Tasha suspirou desanimada.
“Isso fica há algumas horas daqui. Mas se eu sair logo, posso chegar antes das lojas fecharem. Eu estou muito atrasada para as compras de natal.”
“Eu mataria para ir às compras.” Rose falou baixo.
“Eu também.” Lissa concordou.
“Talvez nós possamos ir junto...” Rose falou, me olhando, cheia de esperanças que eu dissesse sim.
“Não.” Falei taxativamente. Rose suspirou, vencida. Ela devia me conhecer melhor. Eu jamais permitiria que ela saísse, sem autorização dos superiores da Academia, para um passeio tão distante em um dia de semana, principalmente tendo aula no dia seguinte.
“Eu vou ter que tomar um café para não dormir pelo caminho.” Tasha falou em meio a outro bocejo. Era dia para humanos, mas para o resto de nós já era tarde da noite.
“Um dos guardiões não pode dirigir para você?” Rose perguntou.
“Eu não tenho nenhum.” Tasha disse negando com a cabeça.
“Não tem nenhum...” Rose franziu as sobrancelhas, parecendo não entender o que Tasha estava dizendo. “Você não tem nenhum guardião?”
“Não.”
“Mas isso não é possível. Você é da realeza. Você deveria ter pelo menos um. Dois, na verdade.” Rose explodiu em indignação. Eu mantive minha expressão serena, mas não pude deixar de lembrar que Tasha havia me requisitado ao Conselho dos Guardiões. Senti um incômodo começar tomar conta de mim e tive vontade de ir embora dali. Aquela visita já tinha cumprido seu propósito.
“Os Ozera não são exatamente os primeiros da fila, na hora das designações.” Christian falou amargamente. “Desde que... meus pais morreram... houve meio que uma carência de guardiões.” Apesar do tom melancólico dele, eu sabia que não era algo tão radical assim. Eles não tinham prioridade na hora das designações, mas uma proteção jamais poderia ser negada a um Moroi, ainda mais da realeza. Os Ozeras teriam seus guardiões, desde que brigassem por isso. A prova de tudo era que eu poderia me tornar guardião de Tasha a qualquer momento.
“Mas isso não é justo! Eles não podem punir vocês pelo que seus pais fizeram!” Rose praticamente gritava. Ela era realmente impulsiva, mas aquele senso de proteção que ela tinha sempre me deixava impressionado.
“Não é uma punição, Rose.” Tasha respondeu calmamente. “É apenas... uma reorganização de prioridades.”
“Eles deixaram você sem proteção! Não pode ir sozinha!”
“Eu não sou indefesa, Rose. Eu disse isso para você. Se eu quisesse mesmo um guardião, eu poderia requisitar um, mas é muita briga. Eu estou bem por enquanto.”
Eu não pude deixar de olhar para ela. Ela já tinha requisitado um guardião e aquele assunto estava vindo toda hora diante de mim.
“Você quer que eu vá com você?” perguntei pensando que seria um bom momento de esclarecer logo esse assunto. Somente por isso, queria ir, eu não gostava de evitar assuntos desconfortáveis. Sempre achava melhor resolver tudo logo. Era um certo exagero de Rose, afinal era dia, o sol brilhava forte no céu, as chances de um ataque Strigoi eram mínimas. Além do mais, Tasha já vivia sozinha, sem guardiões, há muito tempo. Ela não precisaria de um justo agora.
“E manter você acordado a noite inteira? Eu não faria isso, Dimka.”
“Ele não se importa.” Rose disse, antes que eu pudesse falar qualquer coisa. Eu não gostava muito quando alguém falava por mim, mas naquela hora, achei engraçado ela tomar a minha frente.
“Eu realmente não me importo.” Eu era acostumado a emendar turnos de guarda e passar dias sem dormir, isso não me afetaria.
“Está bem.” Tasha concordou, depois de hesitar um pouco. “Mas nós deveríamos ir logo.”
Nós combinamos de nos encontrarmos no estacionamento da Academia em meia hora. Eu não podia sair sem comunicar isso a Alberta. Não era minha folga e tecnicamente estava em serviço. Também precisava levar Rose ao dormitório. Já tinha passado do horário do toque de recolher e ela teria problemas se fosse pega sozinha, vagando pelo campus.
“Então, o quê você achou dela?” Perguntei a Rose, quando ficamos sozinhos e caminhávamos de volta. Eu tinha visto que ela tinha gostado de Tasha, mas a opinião direta de Rose era sempre interessante.
“Eu gosto dela. Ela é legal.” Ela falou simplesmente e ficou calada por alguns minutos, então acrescentou “eu entendi o quê você quis dizer sobre as marcas.”
“Hum?”
Ela acenou, olhando para baixo. “Ela não fez o que fez para sua glória. Ela fez porque precisou. Assim como... assim como a minha mãe. As marcas não importam. Molnijas ou cicatrizes.”
“Você aprende rápido.” Eu senti meu coração apertar no peito. Era difícil não gostar dela, principalmente quando ela se mostra assim, tão próxima de mim, compartilhando o mesmo ponto de vista.
“Porque ela chama você de Dimka?” Aquela era uma pergunta que eu realmente não esperava. Eu pensei que ela fosse continuar no assunto dos Strigois e não que mudasse para algo tão casual. Então sorri com aquilo.
“É um apelido para Dimitri.” Expliquei.
“Isso não faz sentido. Não soa nada como Dimitri. Você deveria ser chamado, eu não sei, de Dimi, ou algo assim.”
“Não é assim que funciona em russo.”
“Russo é estranho.”
“Inglês também é.” Retruquei. Ela parou de olhar para os pés e me olhou de lado.
“Se você me ensinar a xingar em russo, talvez eu possa ter uma nova apreciação sobre isso.”
“Você já xinga muito.”
“Eu só quero me expressar.”
Parecia uma conversa boba, mas eram esses momentos que eu passava com ela que me faziam querer poder parar o tempo. Faziam com que eu me sentisse leve e em paz. Era quando eu não conseguia me impedir de deixar todo aquele amor me tomar.
“Oh, Roza. Você se expressa mais do que qualquer um que eu conheça.”
Ela sorriu um pouco e ficou pensativa.
“Sabe, tem algo estranho com aquela cicatriz de Tasha.”
Foi quando percebi que, momentaneamente, eu tinha esquecido de Tasha e toda aquela história sobre ser seu guardião.
“E o que é?”
“A cicatriz... ela estragou o seu rosto.” Rose falou devagar e com cautela. “Eu quero dizer, é obvio que ela era muito bonita. Mas agora, com a cicatriz... eu não sei. Ela é bonita de um jeito diferente... é como... é como se fosse parte dela. É como se a completasse.”
Eu já a observava, quando ela me olhou de lado e nossos olhos se encontraram. Senti aquela velha atração crescer entre nós, mas havia algo mais ali. Rose era mesmo uma garota única. Inteligente e perspicaz. Bonita e doce. Senti um grande orgulho por ela.
“Você aprende rápido, Roza.”

Eu deixei Rose no dormitório, com recomendações expressas para que ela seguisse diretamente para seu quarto. Depois fui até Alberta, comunicar que sairia com Tasha. Já era tarde para as atividades da escola, mas eu sabia que ela ainda estaria em serviço. Alberta raramente tinha um momento de descanso. Quando a encontrei em seu escritório, ela estava organizando as escalas dos guardiões para a viagem a estação de sky e pareceu não se importar com a minha saída. Ela apenas assentiu e voltou para sua atividade.
Cheguei ao estacionamento da Academia e Tasha já me aguardava, encostada em seu carro. Assim que me aproximei, ela me jogou as chaves, de forma divertida.
“Você dirige, Dimka. Meu horário está todo trocado. Eu sou capaz de pegar no sono e passar direto na primeira curva.” Ela falou sorrindo.
“Tudo bem, lhe asseguro que você chegará sã e salva.” Respondi descontraído.
Pegamos a estrada e, apesar de sempre bocejar e reclamar do sono, Tasha não deixou de conversar. Nós tínhamos bastante assunto para colocar em dia, mas eu tinha que admitir que, em um dado momento, cansava todas aquelas lembranças de fatos passados e novidades sobre alguém que eu não via há muito tempo. Em um certo ponto, quando ela começou a falar das impressões que teve de Lissa, não resisti e fiz praticamente a mesma pergunta que tinha feito a Rose. Eu realmente queria saber a opinião de Tasha sobre ela.
“O quê você achou de Rose? Ela gostou bastante de você.”
“Ah, Rose? Bem, é uma linda menina. Com certeza será uma mulher belíssima, algum dia. Ela é bastante espontânea e sincera, porém imatura, de certa forma. Parece determinada e forte, será uma grande guardiã também. Ouvi dizer que você tem feito um bom trabalho com ela. Disseram que ela chegou a Academia parecendo um animal selvagem e que hoje está mais sociável.”
“Receio que tenham exagerado um pouco sobre isso. Ela era bastante indisciplinada e rebelde, é verdade, mas longe de ser um animal.” Senti um fio de ofensa em minha voz. “Ela sempre teve um profundo senso de responsabilidade e consciência do seu dever. Foi isso que manteve Lissa segura e viva enquanto elas estiveram fora.”
“Não foi isso que eu quis dizer, só me expressei mal, Dimka, me desculpe. Eu não queria me referir a Rose assim. Eu acredito que ela seja uma boa aluna, mas temos que reconhecer que ela tem ajuda de um excelente mentor, não?” Ela disse sorrindo, me dando uma leve cotovelada. Eu forcei um sorriso e concordei com a cabeça, não querendo parecer mal humorado. Era engraçado que Tasha se referia a Rose como se ela fosse uma criança boba de cinco anos de idade, com muito o quê aprender. Mal sabia ela que a resposta de Rose para uma pergunta semelhante a esta tinha sido muito mais madura e muito mais interessante.
Quando chegamos a Missoula, já passava do meio dia, no horário humano. O shopping estava repleto, como era esperado. As decorações de natal estavam por toda parte e parecia impossível não se envolver naquele clima festivo. Tasha começou uma verdadeira maratona de compras. A família Ozera podia ser rejeitada, mas ainda era da realeza e muito rica. Apesar de ser mulher e de comprar bastante, ela era bem decidida no que queria e sempre ia direto aos lugares certos, evitando entrar e sair de loja em loja. O que tornou tudo mais rápido e objetivo.
Estávamos em uma refinada boutique, de uma grife caríssima, quando Tasha puxou um cabide, com um vestido vermelho de seda, de cortes orientais.
“O quê você acha deste, Dimka?” Ela perguntou, colocando o vestido de frente para o seu corpo. Eu estava sentado em um puff, olhando para o lado de fora da loja, atento ao movimento das pessoas. Eu não entendia nada de roupas femininas, mas tinha que admitir que era um belo vestido.
“Bem, acho que ele é... bonito.”
“Você acha que Rose iria gostar?”
Senti minha mente trabalhar negativamente contra mim. Comecei a imaginar Rose usando aquele vestido. Provavelmente ficaria perfeito nela, como tudo que ela vestia. Rapidamente, tentei afastar aqueles pensamentos, me forçando a manter a naturalidade.
“Acho que sim. Ela, como qualquer garota, adora roupas.”
Tasha mandou embrulhar para presente. Ainda andamos por algum tempo e conforme as horas passavam, sentia o cansaço tomar conta de mim, mas me esforçava para manter a aparência solicita. Definitivamente, as rondas pelo campus da Academia eram menos exaustivas.
“Precisamos escolher algo para você agora.” Tasha falou, parando subitamente. “O quê você gostaria de ganhar?”
“Nada, não se preocupe comigo.”
“De jeito nenhum! Eu lhe comprarei um presente, você escolhendo ou não!”
Sentindo que não teria jeito de me livrar daquilo, concordei em escolher alguns livros. Antes de voltarmos, paramos em um restaurante da praça de alimentação, que imitava um bistrô, para comer algo. Finalmente eu teria a chance que eu estava esperando para conversar seriamente com Tasha.
“Tasha, eu fui comunicado pelo Conselho dos Guardiões da sua solicitação. Você me requisitou mesmo para ser seu guardião?” Falei, sem rodeios, enquanto esperávamos pela comida. Aquela era mais uma afirmação do que uma pergunta.
Tasha me olhou, um pouco desconcertada. “Bem, Dimka, não era algo que eu queria conversar com você assim, estava procurando um momento propício. Eu sei que não devia ter feito isso sem lhe consultar antes, mas eu quis aproveitar o momento que estávamos vivendo, todos apavorados com aquele terrível massacre aos Badicas, ninguém teria coragem de me negar um guardião.”
“Eu entendo, você tem todo direito de pedir proteção. Mas você requisitou especificamente a mim. Por que isso? Era do seu conhecimento que eu já tinha uma protegida.”
“Claro que eu sabia. Todos souberam quando você foi designado para Lissa. Mas eu pensei que ela como uma Princesa Moroi não teria dificuldades em conseguir outro guardião tão bom como você. Mas eu... eu duvido que alguém venha para mim de bom grado-“
“Não se trata disso, Tasha, você sabe muito bem.” Eu a interrompi soando um pouco ríspido, pois percebi que ela estava levando a situação para o lado oposto, se fazendo de vítima. “Além do mais, eu tenho outras atividades na Academia, não me sentiria bem em deixar um trabalho pela metade.”
Tasha suspirou fundo, parecendo desapontada. Eu realmente não me sentia bem em causar tristeza a ela, mas não podia ficar evitando esse assunto por mais tempo.
“Você fala do treinamento com Rose, não é? Você não precisaria vir imediatamente, teria um tempo para deixar tudo encaminhado, a Academia tem muitos instrutores bons.” Ela fez uma pausa e me olhou profundamente nos olhos. “Eu vou ser honesta com você. Não tem porque não ser. Eu não preciso de um guardião. Todos sabem disso. Eu vivi até aqui sem nenhum... Eu dediquei minha juventude para tomar conta de Christian e agora, em menos de seis meses, ele estará se formando e irá para alguma universidade. Eu sinto que meu dever com ele está praticamente cumprido e agora... agora eu posso me dedicar mais a mim, a minha própria vida. Posso pensar em construir minha própria família, você sabe, ter meus próprios filhos para cuidar.”
Eu já podia imaginar onde aquela conversa ia chegar, mesmo assim não a interrompi. Antes, dediquei toda minha atenção ao que ela falava. Tasha olhou para baixo por um momento, provavelmente escolhendo as palavras, enquanto seus dedos brincavam nervosamente com um guardanapo.
“E eu não posso fazer isso com qualquer um. Não quando eu ainda penso tanto em você. Nós não pudemos ficar juntos no passado, por causa do seu compromisso com Ivan. Vocês eram muito amigos, quase como irmãos, eu entendi perfeitamente que você não podia deixá-lo. Mas agora, ele está morto e eu não acredito que você já tenha desenvolvido uma relação tão profunda com Lissa como tinha com ele. Você pode vir comigo, oficialmente como um guardião, mas não na prática... o que nós tivemos no passado foi uma coisa boa, difícil de ser esquecida. Podemos tentar novamente. Retomar tudo.”
Senti meu estômago revirar com aquela proposta. Eu e Tasha tivemos um breve relacionamento há muito tempo atrás. Um relacionamento que jamais poderia ir adiante diante do compromisso que eu tinha em proteger Ivan. Realmente agora, sem ele, não havia os impedimentos que eu tive naquela época. Eu jamais esperaria que ela guardasse esses sentimentos por tanto tempo. Mas agora, eu sentia que retomar aquele romance tinha se tornado impossível. Eu não sentia nada por Tasha a não ser uma boa amizade. A mera sugestão de deixar a Academia e me afastar de Rose soava quase como soou a morte de Ivan para mim. Era como se minha vida perdesse o foco, o sentido.
“Tasha, eu não sei o quê dizer. Não é uma decisão que eu possa tomar assim. Isso envolve mais do que uma partida, mais do que a minha carreira de guardião. Envolve sentimentos. Os seus e os meus. Eu e você, ambos, somos diferentes hoje do que éramos. Muita coisa mudou. Alguns valores, alguns objetivos. Eu preciso realmente pensar sobre isso.” Eu busquei as palavras mais leves que pude para não que não a magoasse. Eu tinha vontade de dizer imediatamente que não podia aceitar aquilo, mas eu gostava muito de Tasha para lhe decepcionar assim. Achei melhor realmente ponderar sobre isso, embora eu já soubesse a minha resposta. Se ela não conseguia se imaginar construindo uma família com outra pessoa que não fosse eu, eu também não conseguia imaginar um futuro distante de Rose.
“Dimka. Dimitri. Você não precisa me responder nada agora. Como eu disse, temos tempo. Para tudo. Nós vamos para essa viagem a Idaho, vamos sair da nossa rotina. É uma boa ocasião para pensar em tudo. Além do mais, essa é a época do ano que geralmente fazemos um balanço do que temos feito da vida e planejamos o ano novo. Será bom para você, ter uma nova possibilidade.” Ela falou sorrindo, tentando soar simpática, mas eu pude sentir um tom de medo em sua voz.
“Eu me sinto lisonjeado. De verdade. Confesso que me assustei, a princípio. Mas é uma grande honra para mim.” Senti minha voz sair em tom de negócios. Tasha parecendo perceber isso, tentou mudar de assunto, comentando alguns outros fatos, mantendo o seu humor alegre de sempre. Nós terminamos de jantar e seguimos de volta a Academia. Ela se acomodou no banco do carro e dormiu praticamente a viagem toda. Eu tentei manter minha atenção na estrada mas minha mente não parava de pensar em tudo aquilo que tínhamos conversado.
Quando chegamos à Academia, ajudei Tasha com as muitas sacolas de compras e depois fui direto para o ginásio. Eu precisava preparar a sala para a aula que teria com Rose. Quando comecei a arrumar um dos bonecos de prática, ouvi uma leve batida na porta. Olhei para cima e vi Janine.
“Guardião Belikov.” Ela cumprimentou, já entrando na sala de prática.
“Guardiã Hathaway.” Respondi, me colocando em pé e arrumando minha postura.
“Estava à sua procura. Fui até o seu dormitório ontem, mas me disseram que você passaria a noite em serviço acompanhando a Lady Ozera em uma atividade externa.”
“Exatamente. Retornei há pouco. Porque estava me procurando? Posso lhe ajudar em algo?”
“Claro. Estes bonecos são para a aula com Rose?” O tom dela era sério, mas com um toque de casualidade.
Eu acenei. “Estamos praticando golpes com estacas. Ela tem bons e precisos movimentos, uma técnica própria, muito rara de se ver em noviços.”
“Imagino que tenha. Bem, era sobre isso que eu queria lhe falar. Eu estava pensando em assumir as aulas extras dela, enquanto estiver por aqui, na Academia. Não que você não esteja fazendo um bom trabalho, não me entenda mal. Seria apenas uma boa maneira de nos aproximarmos. Assim, eu poderia conhecê-la melhor. Não convivemos muito nesses últimos cinco anos e eu não queria que fossemos completas estranhas uma para com a outra.”
Tentei esconder meu susto. As coisas pareciam estar conspirando em uma única direção. Primeiro, aquela conversa com Tasha e agora Janine querendo tirar as práticas de Rose de mim. Eu não podia demonstrar que não estava aceitando aquilo e mesmo sabendo que Rose odiaria essa ideia, fui forçado a concordar.
“Por mim, tudo bem. Ela estará em boas mãos. Eu posso acompanhar o treino de hoje e passar as lições que estamos tendo –“
“Não, não é necessário. Além do mais, você passou a noite acordado, precisa dormir um pouco. Eu aguardo Rose sozinha. Você pode ir cuidar das suas coisas.”
“Eu realmente não me importo, Guardiã Hathaway. Estou acostumado a passar vários dias e noites seguidas acordado, faz parte da nossa profissão ter esse tipo de resistência. Eu queria poder conversar com Rose e fazê-la entender o motivo dessa substituição temporária.”
“Eu acho que posso lidar com minha filha. Você conversa com ela mais tarde e explica que estará afastado dos treinos.” Ela deu o que seria o fantasma de um sorriso. “Vá descansar agora, Belikov. Você pode ser treinado para ser resistente, mas agora, sua cara está péssima.”
Sentindo que não podia argumentar com Janine, achei melhor ceder e deixá-la com Rose, essa manhã. Sai do ginásio e fui direto para o meu quarto, com uma estranha frustração tomando conta de mim. De alguma forma, eu sentia que isso não iria terminar bem. Rose ainda tinha muita mágoa por sua mãe.
Tomei um banho e deitei na cama, tentando buscar o sono, mas meus olhos estavam totalmente secos e minha mente não conseguia se desligar dos acontecimentos do dia. Aquela proposta de Tasha me deixou intrigado. Embora soubesse que não deveria aceitar, não deixava de ser uma nova possibilidade, como ela mesma tinha dito. Ao mesmo tempo, me soava meio repugnante e fugia de tudo que eu combatia na minha família. Na prática eu estaria abrindo mão da minha carreira de guardião para cuidar de uma família com filhos. Não era muito diferente do que acontecia com as meretrizes de sangue das comunidades dhampirs. Exceto que eu estaria escondido atrás de uma designação convenientemente arranjada. Isso não me soava nada honrado. Nada ético. Claro que muitos guardiões tinham relacionamentos amorosos secretos com suas protegidas, mas isso era exceção e não resultava nisso que Tasha estava propondo.
Permaneci por algumas horas virando de um lado para outro na cama, mas os pensamentos não me deixavam. Eu não iria conseguir dormir mesmo, então resolvi ir falar com Alberta. Segui para o escritório dela e como sempre, ela estava lá, praticamente afogada em papéis.
“Bom dia, Guardiã Petrov. Tem um minuto?” Falei, colocando o rosto para dentro da sala.
“Sim, Belikov. Entre. Essa viagem está me consumindo. É uma grande área para cobrir. Vou precisar de muitos guardiões fazendo rondas. Temos que checar constantemente as wards. São muitos Morois juntos, temos que garantir uma segurança impecável.”
“Pode contar sempre comigo.” Falei, prontamente.
“Eu sei disso. Mas o que lhe trouxe aqui? Foi o incidente com Rose?”
“Incidente? Que incidente?”
“Você ainda não soube? Ela se acidentou durante a aula prática. A Guardiã Hathaway, sem querer, é claro lhe acertou um golpe no rosto que a fez desmaiar. Rose está na clínica médica. Ainda não tive tempo para ir vê-la, mas a Dra. Olendzki a deixou afastada das aulas de hoje.”
“É... acidentes acontecem.” Eu pensei alto.
“Mas acidentes que nunca aconteceram na sua aula.” Alberta disse, também pensativa.
“Era sobre as aulas que eu queria lhe falar. A Guardiã Hathaway me propôs assumir as práticas extras de Rose, enquanto ela estiver por aqui. Eu pensei sobre isso, não acho que seja uma boa idéia. Eu comecei uma nova série de treinos com Rose há poucos dias, temo que haja problemas de continuidade se interrompermos agora.”
“Bem, Belikov. Também não acho interessante isso. Principalmente depois doincidente desta manhã. Eu conversarei com a Guardiã Hathaway, ela deverá entender.” Ela colocou um pouco de ênfase na palavra incidente. Depois me olhou por um momento, seu rosto não dizia nada. “Mas, de qualquer forma, acho que você deve preparar Rose para ter aulas com outro instrutor, há sempre a possibilidade de você deixar a Academia, não é mesmo? Eu suponho que você já tenha conversado com a Lady Ozera.”
“Sim, nós conversamos. Mas...” Eu senti as palavras presas na minha boca. Alberta me olhava com o mesmo rosto neutro, mas um fio de compreensão passava pelos seus olhos. Então, me senti encorajado a falar. “Ela quer que eu seja mais do que seu guardião. Ela quer uma família... e filhos...”
O rosto tranqüilo de Alberta me dizia que de alguma forma ela já esperava por aquilo. Ela deu um pequeno e acolhedor sorriso.
“Eu entendo, Belikov. Eu entendo. E espero que você ainda se lembre do que lhe disse, outro dia.”
“Sim, claro que eu me lembro. Eu preciso ir agora.” Falei me levantando. Alberta tornou a pegar um papel que ela segurava quando cheguei, voltando sua atenção para ele. Quando sai da sala, Janine estava lá fora, sentada em uma das cadeiras, provavelmente esperando para falar com Alberta. Uma rápida preocupação tomou conta de mim. A porta estava entreaberta e eu me perguntei o quanto da minha conversa com Alberta ela tinha ouvido. De qualquer forma, não tinha mais nada que eu pudesse fazer. Janine, ficou em pé ao me ver.
“Guardião Belikov, eu suponho que você já saiba que Rose se acidentou durante a aula.” Seu rosto que sempre era duro e firme, agora estava consternado. Sua voz soava preocupada. "A médica garantiu que ela não tinha uma concussão e que ficaria bem. Eu realmente não queria atingi-la com tanta força, não sei como isso aconteceu.”
“Nós sabemos disso, Guardiã Hathaway, não se preocupe. Rose ficará bem, ela tem uma boa capacidade de cura. Eu vou passar agora na clínica médica e verei como ela está.”
Eu acenei em cumprimento e sai da sala. Caminhei até a clínica médica, e quando cheguei, Rose estava dormindo. Eu a olhei por uns instantes. Ali deitada, ela soava tão serena como um anjo. Ela parecia perfeitamente bem, a não ser por uma marca avermelhada em torno dos olhos e perto da maçã do rosto esquerdo. Eu saí da enfermaria e fui dar uma rápida palavra com a Dra. Olendzki.
“Eu juro que nenhum aluno é tão assíduo nesse consultório como Rose.” Ela falou, quando me sentei na cadeira em frente à sua mesa. “Eu lhe dei um remédio para que ela dormisse um pouco e descansasse. Quero que ela fique fora dos treinos hoje. No mais, o maior dano foi feito no seu belo rosto. Ela ficará com um olho roxo por uns cinco dias, mais ou menos.”
Eu fiz mais algumas perguntas e a minha rotina padrão da Academia consumiu o resto do meu dia, de forma que não pude mais voltar para ver como Rose estava.
Na manhã seguinte, acordei na hora de sempre e segui para o ginásio. Depois do que tinha acontecido na aula anterior, Alberta tinha conversado com Janine e ela concordou que as aulas deveriam permanecer comigo. Quando cheguei, avistei de longe Rose, novamente conversando com Mason. Para minha surpresa, ela já estava lá, mesmo sendo tão cedo. Geralmente, ela sempre se atrasava, principalmente para esta primeira aula e por mais que eu a repreendesse por isso, não adiantava.
Assim que me aproximei, Mason deixou o ginásio e Rose me seguiu até a sala de prática. Sem dizer uma palavra sequer, ela começou a se alongar. Eu percebi que o humor dela não estava muito bom e, como sempre, resolvi não falar nada sobre o dia anterior com ela. Assim que Rose terminou, eu lhe disse para continuar com as mesmas manobras que praticamos dois dias atrás. Ela evitava me olhar e estava usando os cabelos soltos, caídos levemente no rosto. Há muito tempo, Rose não usava os cabelos soltos. Pelo menos, não durante as aulas. Eu tinha que admitir que gostava muito de quando ela não os prendia, por isso não falei nada.
Foi então que ela começou a bater furiosamente nos bonecos. Seus golpes eram incrivelmente rápidos e precisos. Eu sentei em uma das cadeiras a e observei. Eventualmente, eu corrigia sua postura, ou algum golpe errado, na esperança que ela diminuísse o rítimo dos ataques, mas não adiantou. Confesso que tentei manter a naturalidade ao máximo, mas percebi claramente que ela estava descontando toda sua raiva naquele treino. Ela estava quase irreconhecível. Era como se aqueles bonecos representassem todas as coisas ruins do mundo pelas quais ela estava passando. Em um certo ponto, eu tive que intervir de maneira mais direta. Ela espancar os bonecos daquela maneira não era nada saudável.
“Seu cabelo está no caminho. Não está apenas bloqueando sua visão periférica. Você está correndo o risco de deixar que o seu inimigo o use contra você.” Eu disse, na esperança de que ela parasse para prender seu cabelo e pudesse se acalmar um pouco, enquanto fazia isso. Mas foi inútil novamente.
“Se eu realmente estivesse em uma luta, eu o usaria preso. Eu apenas estou usando solto hoje. Só isso.” Ela disse, enquanto empalava violentamente um dos bonecos.
“Rose.” Falei com cuidado, assumindo que não podia deixar que ela permanecesse descontrolada daquele jeito. Ela me ignorou e continuou com seus golpes. Eu coloquei mais força e autoridade na voz. “Rose, pare!”
Ela se afastou imediatamente do boneco, se encostando na parede, respirando pesadamente. Ainda sem me encarar, ela olhou para o chão, virando o rosto na direção oposta da que eu estava. Ela não tinha falado quase nada, mas era óbvio que ela não estava se sentindo bem. Eu não gostava de ver Rose daquela maneira e não podia fingir que nada estava acontecendo e simplesmente continuar a aula, ignorando tudo.
“Olhe para mim.” Eu falei autoritariamente.
“Dimitri – “ ela tentou protestar, mas eu a interrompi.
“Olhe para mim.”
Se eu não podia ignorar seus problemas, ela também não podia me ignorar assim. Muito devagar e parecendo relutante, ela levantou os olhos, mas ainda mantendo a cabeça baixa, eu realmente não estava acreditando que ela estivesse se escondendo atrás de uma mecha de cabelo, mas era isso mesmo. Era isso que parecia e era isso que era. Por algum motivo bobo ela estava com vergonha de mostrar seu rosto para mim. Eu levantei da cadeira, fui até ela e parei na sua frente. Ela olhou para baixo novamente.
Com a minha mão esquerda, afastei o seu cabelo. Eu podia sentir os fios deslizando pelos meus dedos. Aquela era uma das melhores sensações que eu podia experimentar. Foi quando eu finalmente vi o seu rosto e o choque correu por mim. Minha respiração parou uma batida de coração e eu não sabia dizer se era por causa do ferimento ou por estar tão próximo dela. Tentei me manter imparcial, mas tinha que admitir que tinha sido um machucado terrível. O lado esquerdo superior estava bem inchado e avermelhado. Ao redor dos olhos, estava completamente roxo. Definitivamente, aquele não tinha sido um golpe dado sem querer. Eu ainda tocava nos cabelos dela, e tive que resistir a vontade de puxá-la para mim e abraçá-la. Eu ainda tinha muita vontade de cuidar dela, de poder protegê-la, mas não podia fazer isso. Sentindo essa impossibilidade, resisti ao impulso de tocar no seu rosto e deixei minha outra mão cair ao seu lado. Rose me olhava com muita expectativa, o que tornava tudo ainda mais difícil.
“Dói?”
“Não.” Ela mentiu. Eu já tinha tido ferimentos daquela natureza e sabia que doía bastante. Ela estava apenas querendo parecer forte.
“Não está tão ruim.” Foi a minha vez de mentir. “Vai sarar logo.”
“Eu a odeio.” Ela falou com a mesma fúria que tinha quando batia nos bonecos.
“Não, você não a odeia.” Falei gentilmente. Rose era louca pela mãe. Caso não fosse, ela não se ressentiria tanto pela sua ausência.
“Eu odeio.”
“Você não tem tempo para odiar ninguém. Não na nossa profissão. Você deveria fazer as pazes com ela.”
Eu queria que ela entendesse que quando se lidava com a morte todos os dias, não podíamos cultivar rancores. Mas aquelas palavras surtiram efeito contrário. Pude ver o ultraje passando por ela.
“Fazer as pazes com ela? Depois dela ter me dado um olho roxo de propósito? Porque eu sou a única que vê a loucura que é isso tudo?”
“Ela não fez de propósito.” Falei duramente, embora também acreditasse nisso, não podia alimentar a raiva de Rose contra Janine. “Não importa o quanto você esteja ressentida com ela, você tem que acreditar nisso. Ela não faria isso. E de qualquer maneira, eu a vi mais tarde ontem. Ela estava preocupada com você.”
“Provavelmente ela estava mais preocupada que alguém a denunciasse por abuso contra menores.”
“Você não acha que essa é uma boa época do ano para perdoar?”
Rose não estava nada fácil esta manhã. Nada do que eu falasse, parecia surtir efeito.
“Isso não é um especial de natal! Isso é a minha vida!” Ela praticamente gritou. “No mundo real, milagres simplesmente não acontecem!” Rose respirava rápido e eu sinceramente não sabia mais esperar o que viria dela. Ela colocou as mãos na cintura e me encarou. “Ok. Você pode parar com isso, de uma vez?”
“Parar com o quê?” perguntei sem entender ao certo sobre o que ela estava falando. Vindo de Rose, poderia ser sobre qualquer coisa.
Rose me olhava, com a raiva irradiando por cada célula dela.
“Com essa merda Zen. Você não fala comigo como se eu fosse uma pessoa de verdade. Tudo que você diz é uma sábia lição de vida idiota. Você soa como um especial de natal. Eu juro, às vezes parece que você só quer se ouvir falar! E eu sei que você não é sempre assim. Você estava perfeitamente normal quando conversava com Tasha. Mas comigo? Você só segue a maré. Você não se importa comigo. Você só está preso no seu estúpido papel de mentor.”
Eu não podia acreditar que estava ouvindo aquilo. Não de Rose. Cada minuto, cada segundo do meu dia era gasto pensando nela. Tudo que eu fazia era por ela e no final de tudo, era aquilo que ela achava de mim? Aquelas palavras dela bateram forte, tanto que eu só consegui olhar para ela, sentindo a incredulidade tomar conta de mim.
“Eu não me importo com você?”
“Não.” Ela falou duramente, enquanto batia com o seu dedo indicador no meu peito. “Eu só sou mais uma aluna para você. Você só continua com essas suas ridículas lições de vida para que –“
Antes que ela pudesse continuar, eu segurei a sua mão, a mão que batia no meu peito e prendi contra a parede. Eu sentia uma enorme frustração tomar conta de mim. Eu pensei que todo esse tempo Rose tivesse entendido que o fato de eu estar apaixonado por ela, não queria dizer que eu podia levar isso adiante. Era assim mesmo que eu deveria tratá-la. Como uma aluna, isso era o certo, o caminho natural. Tudo que eu fazia era no esforço de manter tudo sobre controle e muitas vezes, era um esforço sobrenatural. E agora ela me acusava de ser indiferente? Ela mesma não fazia nada mais do que cumprir seu papel de aluna, quando estava comigo. Eu tinha que admitir que ela fazia uma bom trabalho em guardar seus sentimentos. Ao mesmo tempo, eu esperava que ela soubesse que era importante para mim, mesmo que eu não pudesse demonstrar isso.
“Não me diga o que eu estou sentindo.” Minha voz saiu como um rosnado. Eu podia sentir algo estranho percorrendo minhas veias, juntamente com meu sangue. Era uma sensação que há muito tempo eu não tinha. A sensação de estar perdendo o controle sobre mim mesmo. Ela não podia dizer mesmo, ela não podia imaginar como aquele amor não vivido me corroia. Só eu sabia o quanto eu sofria por viver daquela forma. Eu tinha perdido as contas de quantas noites eu passei em claro somente lutando contra pensamentos e tentando destruir o que eu sentia por ela, tudo em vão.
“É isso, não é?”
“O quê?”
“Você está sempre lutando por controle. Você é igual a mim.”
“Não. Eu já aprendi a me controlar.” Eu tinha que admitir que tinha medo do que viria dela. Eu conhecia aquele tom dela e sabia que ela estava me analisando. E isso me assustava. Mesmo assim, eu ainda me sentia sob efeito de toda onda de emoção que tinha passado por mim.
“Não. Você não aprendeu. Você coloca uma boa cara, e a maior parte do tempo faz você pensar que está controlado. Mas às vezes você não pode...” Ela se inclinou com seu rosto a poucos centímetros do meu e sussurrou “às vezes você não quer.”
“Rose...” Foi só o que eu consegui dizer. Meu coração batia disparado e era difícil de respirar. Eu me sentia derrotado. Ela tinha razão. Cada palavra que ela tinha dito era a mais pura verdade. Foi como se ela pudesse ver a minha alma. A prova de tudo estava acontecendo ali, naquela hora. Nós ainda estávamos muito próximos e eu não conseguia me afastar dela. Eu não queria me afastar dela. Eu tentava buscar aquele controle que tinha acabado de dizer que tinha aprendido, mas nada. Ele não vinha. Foi quando ela fez o que eu estava o que eu já estava prestes a fazer. Ela me beijou. E eu a beijei de volta, como não podia deixar de ser. Eu não podia impedir aquilo, era o que eu estava desejando há tanto, tanto tempo.
Sentir novamente os lábios dela, ali, doces e quentes, despertou em mim todo aquele desejo que eu tinha trancado. Eu a trazia para mim e parecia que quanto mais apertava meu corpo contra o dela, não era o bastante. Minha outra mão percorria seus cabelos, aqueles cabelos que eu tanto adorava tocar. Eu queria mais, eu a queria muito, tanto... Aquele pensamento me fez parar e recuar, dando alguns passos para trás. Onde eu iria chegar? Eu só podia estar ficando louco. Como eu pude me deixar ser levado assim?
“Não faça isso de novo.” Falei duramente, soando como uma ordem.
“Não me beije de volta, então.”
Eu a encarei por um tempo, buscando o que falar. Mas eu ainda não conseguia pensar de forma coerente. O olhar dela ainda me deixava bastante tont e eu lutei para restabelecer o controle de tudo e fazer parecer que não tinha acontecido nada de mais.
“Eu não dou lições Zen para me ouvir falar. Eu as dou porque você é só mais uma aluna. Eu faço isso para lhe ensinar a se controlar.” Tentei soar como se estivesse à frente de tudo, mas me senti um verdadeiro idiota, assim que as palavras saíram. Eu só estava repetindo o mesmo comportamento vingativo de Rose, provando, mais uma vez que ela tinha razão. Que nós éramos iguais.
“Você está fazendo um ótimo trabalho.” Rose ironizou, fazendo com que eu me sentisse, ainda mais, como um estúpido garoto.
Eu fechei os olhos e respirei fundo. Meus pensamentos em russo saíram em palavras, sem que eu pudesse impedir.
“Eu sou um fraco. Um fraco idiota.”
Tudo que eu queria era voltar para ela e continuar lhe beijando. Sabendo que não podia resistir por mais tempo, sai dali sem a olhar mais. Atropelei todo caminho que vinha pela minha frente e passei pelo campus como um verdadeiro furacão. Apesar de todo senso lógico, todo meu corpo e minha mente ainda queriam Rose, ainda precisavam dela. Cheguei ao meu quarto, com todo aquele sentimento me dominando. Um sentimento que eu conhecia bem e que sabia que era difícil de guardar quando ele se manifestava. Meu Deus, como eu a amava, como eu queria poder ficar com ela.
Eu sentei na cama, ainda com a respiração alterada, era como se eu pudesse ouvir o meu coração batendo dentro de mim. A vontade que eu tinha era de voltar para aquele ginásio e beijar novamente e novamente. Deixar tudo de lado e me entregar a ela.
Eu não podia ignorar aquele beijo. Dessa vez, não teve feitiço, nem colar para provocá-lo. Foram só os nossos próprios desejos. O pensamento de que Rose também me queria, de que ela também sentia o mesmo não ajudava nada naquela batalha interna que eu estava travando. Mas ela sentia e isso tinha ficado bem claro. Ela não teria uma reação tão forte daquelas se quisesse apenas me expor.
Eu deitei na cama, ainda com aquele turbilhão dentro de mim. Fiquei ali por um tempo quase interminável até sentir que minhas emoções estavam se normalizando.
Quando finalmente, eu consegui pensar coerentemente, decidi que tinha que me afastar dela. Mesmo que fosse provisoriamente. Era isso. Eu tinha que repensar minha vida, pensar na proposta de Tasha, e a presença de Rose só fazia me influenciar para seguir somente a um caminho. Fui até a escrivaninha e puxei uma folha de papel. Depois de pensar em várias desculpas, escrevi um pequeno e indiferente bilhete para Rose. Se ela achava que era só mais uma aluna para mim, era assim que eu iria tratá-la. Somente como os demais alunos da Academia, de agora em diante.
Rose,
Devido aos festejos de natal e os preparos para a viagem a Idaho, estou cancelando os treinos dos dois próximos dias. As aulas deste ano da Academia estão mesmo para acabar, parece razoável tirarmos uma folga dos nossos treinos.
Dimitri.

Quando saí do quarto, deixei o bilhete com a inspetora do prédio de Rose para ser entregue a ela. Evitá-la parecia ser a atitude mais sensata agora. Eu realmente não sabia como iria reagir se a visse novamente, principalmente quando a sensação daquele beijo era tão recente em mim. Eu podia ter beijado muitas garotas no decorrer da minha vida, mas nenhuma era como Rose, nenhuma tinha causado em mim tanta sensação de perda de sentidos como ela.
Passei para o escritório de Alberta, eu tinha que comunicá-la que havia suspendido as aulas. Ela pareceu não se importar e disse que avisaria a Kirova. Peguei a escala de plantões e me ofereci para monitorar as wards, nas fronteiras da escola, pelo resto do dia e da noite. Assim eu ficaria distante do campus e não correria o risco de ver Rose. Depois do ataque aos Badicas, a segurança da Academia optou por deixar um guardião checando se existiam estacas pelas wards, já que agora nos deparamos com a realidade de que humanos trabalham para Strigois. Essa era uma tarefa muito maçante, pois consistia em rondas externas e a temperatura, a cada dia, diminuía mais.
Na manhã seguinte, após quase vinte quatro horas de serviço, eu entreguei o turno ao guardião que me renderia e segui para o meu quarto. Era isso que eu queria. Me sentir exausto e dormir como uma pedra. Assim, não teria tempo para pensar no que quer que fosse. Quando eu passava em uma trilha perto da cabana, encontrei Tasha que vinha com vários pacotes de supermercado.
“Hey Dimka!” Ela exclamou assim que me viu. “Eu estive lhe procurando.”
“Olá, Tasha, eu estava em serviço. Meu turno terminou há pouco. O quê você queria comigo?” Respondi, forçando um sorriso. Na verdade tudo que eu queria era chegar logo ao meu quarto. O frio era intenso e eu tinha passado praticamente a noite toda ao ar livre.
“Você sempre trabalhando demais...” Ela me analisou e apontou com a cabeça na direção da cabana. “Vamos entrar um pouco, tomar um café ou um chocolate, está muito frio aqui fora.”
“Desculpe, Tasha. Eu não sou uma boa companhia agora. Estou me sentindo exausto. Tudo que eu preciso nesse momento, é dormir um pouco.”
Ela me deu um sorriso triste. “Tudo bem, então porque você não vem mais tarde? Eu posso preparar um delicioso jantar para nós. Eu fiz uma bela limpeza na cabana, está bastante habitável agora. Assim poderemos combinar o que vamos fazer no natal.”
Eu tentei lutar contra a vontade de recusar aquele convite, mas assumindo que, naquele momento nada me soava divertido, acabei concordando. Eu precisava abrir minha mente para Tasha, eu não poderia pensar seriamente na proposta dela, se continuasse assim, a encarando somente como uma amiga.
“Então combinado, nós jantamos juntos hoje. Até mais tarde, então.”
Fui para o meu quarto, e como eu estava desejando, dormi como uma pedra. À noite, fui até a cabana, encontrar com Tasha. Eu realmente não tinha pensado em um encontro, até o momento em que ela abriu a porta e percebi que só tinha nós dois ali. Eu estava tão cansado quando a encontrei mais cedo, que acabei esquecendo de perguntar quem mais viria. A idéia de estar com Tasha em uma cabana no meio da floresta não me soava nada bom. ‘Mente aberta, Dimitri.’ Pensei novamente.
Sendo assim, eu já estava ali, não poderia sair correndo. Entrei na cabana e olhei em volta. Tasha tinha mesmo feito um belo trabalho de limpeza nela. E um cheiro ótimo de comida vinha da pequena e improvisada cozinha.
“Precisa de alguma ajuda aqui?” Falei, me aproximando do forno e buscando algo para me manter ocupado.
“Não, já está quase pronto.” Tasha respondeu, enquanto mexia em algo na antiga geladeira. Então ela virou, segurando uma garrafa de vinho. “Podemos tomar uma taça, enquanto esperamos.”
“Não acho que beber seria uma boa ideia. Tecnicamente, eu estou trabalhando. Não é minha folga.”
“Ah, Dimka, sem essa! Não é seu dia de folga, mas é sua hora de folga. Além do mais, você jamais ficaria bêbado com uma taça de vinho. Eu sei que você foi acostumado com vodka russa que é muito, muito mais forte.”
“Não é bem assim, Tasha.” Falei com um pequeno sorriso. Ela ignorou o que eu tinha dito e me entregou uma taça.
“Você precisa relaxar, está com uma aparência péssima. Você não tem dormido muito bem, não é, Dimka?” O tom dela era bastante carinhoso e preocupado. Eu achava engraçado que Tasha era uma das poucas pessoas que falava da minha aparência. Ela sempre achava que eu precisava de descanso.
“Até que não.” Eu disse, enquanto sentava em uma das cadeiras. “Eu estive em serviço a noite inteira, mas descansei depois disso.”
Ela sorriu e, rapidamente, começamos uma conversa amena. Eu confesso que, às vezes, era bom não ter que usar uma expressão dura o tempo todo. Eu me sentia bastante à vontade e relaxado com ela e não precisava me preocupar em manter meu controle, era como se eu pudesse ser eu mesmo, sem nada para me impedir. É bem verdade que Tasha não me provocava nenhuma reação intensa, que me fizesse perder a cabeça, como era com Rose, por isso eu não era forçado a me manter em constante vigilância. O que tornava a convivência com ela muito mais fácil.
Enquanto Tasha falava, eu a observava não conseguindo me impedir de pensar sobre isso. Era o que ela estava me oferecendo. Tranqüilidade, carinho, estabilidade. A realização de ter uma família estruturada, coisa rara para um dhampir. O maior impedimento estaria no preconceito das pessoas, mas isso era algo que nem eu e nem ela nos importávamos muito. Eu a olhava e pensava como ela era divertida, espontânea, leve e como nós nos dávamos bem. Eu podia passar horas e horas com ela, sem qualquer divergência.
Realmente, era como Tasha tinha dito. Parecia perfeito. Parecia o certo. Mas apenas parecia. Eu repetia para mim mesmo que era fácil gostar de dela. Se eu já gostava como amiga, eu poderia aprender a amá-la como mulher.
O problema, o maior de todos, era que Rose aparecia como uma doença me consumindo. Perto dela, todas as propostas feitas por Tasha perdiam o sentido. Eu sabia que jamais conseguiria parar de amar Rose. Não era algo que eu pudesse ter algum tipo de escolha. Mas eu sabia que podia, que devia me afastar dela. Para o bem dela mesma e para o bem de Lissa. E era com essa ideia que eu tinha que me acostumar. De viver longe dela, embora soubesse que isso seria uma grande batalha interior.
Nós jantamos, ainda conversando de forma descontraída. Não sei se por causa do vinho ou por Tasha não ter forçado nenhum contato mais intimo, eu me sentia totalmente relaxado e à vontade ali.
“O quê você acha de marcarmos para nove horas?”
“Hum?” perguntei ainda sob efeito de uma risada. Tasha havia contado uma história que eu nem me lembrava mais, mas que era muito engraçada. Eu tinha sorrido tanto, como há muito tempo não fazia.
“A ceia de natal!” Ela falou também rindo. “Eu não sei se fiz bem, mas convidei Janine também.”
“Janine? Você diz Janine Hathaway? O que ela tem a ver com a sua ceia?”
“Dimka! Você realmente falava sério com relação ao vinho?” Ela zombou “Nunca pensei que algumas taças lhe causassem amnésia alcoólica! Janine é a mãe de Rose! Eu acho que seria natural que ela passasse o natal perto da filha. E como Rose também virá, então, e convidei a mãe dela também.”
A simples menção do nome de Rose me fez sentir um frio na barriga. O meu bom humor foi embora. “Você convidou Rose?”
Tasha rolou os olhos, parecendo ainda achar engraçado a minha distração. “Não exatamente. Eu convidei Lissa, que dá quase no mesmo. Sendo assim, eu disse logo que ela poderia trazer Rose. Seremos eu, você, Christian, Lissa, Rose e Janine. Ah! Tem o Mason também, já estava esquecendo dele. Ele é amigo das crianças – e parece ser namorado de Rose.” Tasha falou contando nos dedos e acrescentou de forma pensativa. “Como eram muitos convidados, eu resolvi fazer em um dos apartamentos para visitantes da Academia. É bem mais confortável e apropriado. Não que eu me importe com isso, mas não posso impor aos meus convidados que venham para essa cabana mal estruturada.”
Eu ainda estava na parte que ela falou sobre ter convidado Rose e sobre Mason ser seu namorado. Senti meu coração doer. Como eu não tinha pensado que era lógico que ela viria? Eu sabia que tinha que me manter distante, mas mesmo assim, eu tinha vontade de revê-la. Eu sentia a falta dela.
“Alow, Dimka?” Tasha falou rindo, estalando os dedos em frente aos meus olhos. Foi quando percebi que tinha saído completamente de órbita. O olhar dela ainda era divertido. “Você não ouviu uma palavra sequer do que falei, não foi?”
Eu apertei os meus olhos com os dedos, me forçando para parecer natural.
“Desculpe, Tasha. Acho que você tem razão. O vinho já está fazendo seus efeitos... acho que é hora de ir.”
Ela me olhou de forma astuta e correu levemente os dedos pela minha perna. “Porque você não dorme aqui? Está nevando muito lá fora, e-“
Eu me levantei bruscamente, não deixando que ela terminasse. Realmente estava demorando que ela tentasse isso. Senti a tensão tomando conta de mim.
“Não, acho melhor não.” Tentei soar o mais simpático possível e coloquei a taça de vinho, que eu ainda segurava, em cima da mesa. “Eu já cometi muitos excessos hoje e tenho muito trabalho amanhã. Não vai ser nada fácil transportar tantos alunos em segurança para a estação de sky. A Guardiã Petrov me escalou para realizar alguns serviços administrativos dessa viagem. Eu realmente preciso ir.”
“Tudo bem, eu entendo.” Ela me olhou de forma muito compreensiva, porém triste. Nós nos despedimos quase que friamente e eu voltei para a Academia, sentindo meu coração, minha mente e meu corpo desejando Rose, enquanto meus pés esmagavam o tapete de neve que cobria tudo.
Na noite de natal, eu me aprontei para ir ao brunch que Tasha iria oferecer. Geralmente, eu não me preocupava em me arrumar. Mas esta era noite de natal e eu senti necessidade de me mostrar mais apresentável. Eu sempre penteava meus cabelos com os dedos e os prendia de qualquer jeito para trás. Hoje, usando uma escova e um elástico, fiz um bom trabalho com eles. Vesti uma camisa social com um suéter e dei uma última olhada no espelho, antes de sair. Nada mal.
A ala dos visitantes da Academia era bastante elegante e estava repleta. Vários Morois vieram festejar com seus filhos, antes de partirem para a estação de sky. Eu cheguei um pouco antes da hora marcada, pois tinha planejado conversar com Tasha antes dos outros convidados chegarem. Eu tinha saído bruscamente da cabana, no outro dia, e não tinha mais falado com ela. Ela sorriu de forma acolhedora ao me ver.
“Dimka! Olha só você está lindo! Feliz Natal!” Ela exclamou enquanto eu passava pela porta. Não pude deixar de me sentir um pouco envergonhado com aquele elogio.
“Você também está... ótima... Tasha. Feliz Natal.” Sorri, tentando esconder meu constrangimento.
“Já está sendo feliz. É... este clima de natal faz grandes coisas com a gente. Você chegou bem cedo. Confesso que não lhe esperava agora.”
“Bem, eu precisava conversar com você, fora da vista dos outros.” Fiz uma pequena pausa. “Eu não devia ter saído da cabana daquela forma. Acho que lhe devo um pedido de desculpas.”
“Pára com isso, Dimka. Não foi nada demais. Você só estava cansado.”
Eu dei alguns passos e fiquei bem próximo a ela “Nós não somos mais crianças, Tasha, precisamos ser francos um com outro. Não podemos agir como se nada tivesse acontecendo. Você fez uma proposta para que eu me torne seu guardião – seu companheiro. Eu prometi que iria pensar sobre isso e é o que eu tenho feito, de verdade. Não está sendo uma escolha fácil – e eu não decidi nada ainda. Mas, honestamente, diante de todo esse contexto, temos que admitir que não podemos agir apenas como amigos, pelo menos não quando estivermos só nós dois.”
Ela me olhava atentamente, seu rosto cheio de expectativa. Eu lutei internamente contra todo senso de ética e afastei todo e qualquer pensamento que eu tinha sobre Rose. Eu precisava tentar aquilo, eu tinha que fazer dar certo, não podia ser tão difícil. Então, eu segurei suavemente a cintura de Tasha e a trouxe para perto de mim.
Tentando não pensar muito no que estava fazendo, eu a beijei. Como se esperasse por isso há muito tempo, ela segurou minha nuca e respondeu ao beijo, de forma ardente e apaixonada. Era estranho, mas eu não conseguia me sentir como ela. Eu não conseguia sentir desejo, não conseguia me entregar.
Quando nos afastamos, ela sorriu feliz. Eu tentei manter minha naturalidade, mas eu tinha que admitir que não tinha representado nada para mim. Novamente, o beijo que Rose tinha me dado no ginásio, alguns dias atrás voltou a minha mente e com ele, toda aquela situação problemática que nos cercava. Rapidamente, empurrei tudo aquilo para longe dos meus pensamentos. Não era o momento para isso, eu não podia seguir em frente se insistisse em me manter preso a estas lembranças.
Eu sempre achei Tasha uma mulher incrível. Ela era madura, compreensiva e muito atenta a mim. Mesmo assim ela parecia não conseguir ler minhas feições, talvez por isso, ela não percebeu a falta de sentimento em mim e continuou me abraçando de forma carinhosa. Sutilmente eu a afastei.
“Acho melhor sermos discretos. Os outros convidados já devem estar chegando.”
“Claro.” Ela se afastou desajeitadamente, procurando o que fazer com as mãos. “Vai ser sempre assim com a gente, não é? Digo, se ficarmos juntos.”
“Assim como?”
“Na frente dos outros, nada de contato físico, nada de demonstrações de afeto. Perto e longe, ao mesmo tempo.” Havia um fio de tristeza em sua voz.
“Eu sinto muito, Tasha. Eu sou um guardião e sempre vou ser isso, antes de qualquer coisa.”
“Eu entendo.” Ela disse, ainda melancólica. Mas eu tinha certeza que ela não entendia. Ninguém entendia o peso disso para mim, a não ser Rose. Droga, sempre Rose voltando a minha mente. Sempre.
Não demorou muito, Christian chegou com Lissa e, logo depois, Rose com Mason. Novamente com Mason. Eles pareciam cada vez mais perto, mas eu me forcei a aceitar aquilo como natural, por mais que doesse em mim, ela tinha que seguir sua própria vida. Senti meu coração apertar ao olhar para Rose, mas resisti várias vezes ao impulso de ir falar com ela. Consegui somente a cumprimentar de longe, mas era difícil ser indiferente com ela. Principalmente por se tratar de uma comemoração de natal e também por ela parecer especialmente linda. Era incrível como nem o olho roxo conseguia tirar a beleza dela.
Eu me mantive ocupado conversando com Tasha o máximo que eu pude, mas sempre percebia que Rose me observava. Eu tentava ignorar isso, mas não era algo que eu conseguia fazer plenamente. Para Tasha, no entanto, não faltava assuntos. Ela começou a me contar sobre um de nossos amigos, um Moroi da realeza, mas muito simples e sem aquela arrogância usual que eles carregavam, ele era extremamente boêmio e afirmava que nunca se casaria e que detestava crianças.
“Pois é, ele casou sim, com uma bela garota – pelo menos ela era, claro que tinha que ser, é já teve cinco filhos.” Tasha falou enquanto se servia com as comidas que estavam na mesa.
“Cinco? Eu não ouvi isso.” Eu não pude esconder minha surpresa. Cinco filhos era muito para qualquer pessoa, quanto mais para ele.
“É loucura. Eu juro, eu acho que a esposa dele não teve sequer seis meses de folga entre um nascimento e outro. E ela também é baixa – então só ficou mais e mais gorda.”
“Quando eu o conheci, ele jurou que nunca queria ter filhos.”
“Eu sei! Eu também não acredito nisso. Você precisaria ver agora. Ele simplesmente se derrete perto deles. Eu não consigo entender nem a metade do que ele fala. Eu juro, ele fala mais a linguagem dos bebês do que inglês.”
Eu sorri com aquilo. Realmente era difícil de imaginar ele nessa situação. “Bem... crianças fazem isso com as pessoas.”
“Bem, eu não consigo imaginar isso acontecendo com você. Você é sempre tão estóico. É claro... eu suponho que você usaria a língua dos bebês em russo, então, ninguém nunca saberia.” Eu tive que rir com Tasha. Era um pensamento muito inusitado aquele. Eu balançava com a possibilidade de ter um filho, mas eu confesso que não tinha sido algo que eu tivesse sonhado para minha vida. Dhampirs que seguem a carreira de guardião não pensam em se dedicar a construir uma família e, conseqüentemente, não alimentam a vontade de se tornarem pais.
Rapidamente lembrei da proposta que ela tinha feito e percebi que ela falava daquilo por realmente ser uma possibilidade quase palpável para mim. Era estranho, mas não parecia ser parte da minha realidade. Não parecia tratar da minha vida.
Tasha ainda falava sobre os filhos dos outros e meus pensamentos sobre isso foram interrompidos quando Rose se levantou com Lissa e elas foram para um canto da sala. Meus olhos seguiram lentamente as duas. Eu não conseguia ouvir o que elas diziam, mas vi quando Lissa entregou uma pequena caixa para Rose que a abriu e retirou de dentro um chotki, erguendo para o alto. Era um pequeno rosário, com uma pesada cruz dourada presa a um dragão.
“Você vê isso Dimka?” A voz de Tasha perto do meu ouvido me fez lembrar que ela estava ao meu lado. Eu a olhei erguendo uma das sobrancelhas. Os olhos dela estavam na mesma direção que os meus, observando a cena de Rose e Lissa. “Então é verdade o que dizem. As pessoas comentam que os Dragomirs têm uma antiga jóia de proteção. Está na família de Lissa há muitos anos. Sempre é dada ao principal guardião dos Dragomirs.”
Eu continuei olhando as duas. Lissa puxou o chotki da mão de Rose e o colocou suavemente em seu pulso. Rose parecia comovida.
“Eu não acho que Lissa deveria dar isso a Rose. Não agora. Ela ainda não é sua guardiã. Acho que ela deveria ter tido mais consideração com você.” Tasha continuou falando ao meu lado. Novamente, ela estava demonstrando que não entendia o verdadeiro sentido de ser um guardião.
“Você está querendo dizer que aquele amuleto deveria ser meu?”
“Não exatamente, mas você é o único guardião oficial da família Dragomir. Pelo menos, por enquanto.”
“Não acho que seja assim, Tasha. Lissa confia plenamente em Rose e esta, por sua vez entende perfeitamente seu papel em proteger Lissa, Rose é capaz de dar sua vida por ela. Essa é a maior relação que um guardião pode ter com seu protegido. E eu tenho certeza que Rose se tornará uma das maiores guardiões que já tivemos notícia. Lissa estará absolutamente segura com ela.”
Tasha sorriu. “Claro que ela se tornará, Dimka. E isso me deixa mais aliviada. Saber que ela Lissa estará em boas mãos, não me deixa sentir culpada por tentar tirar você dela.”
“Eu disse a você. Eu ainda estou pensando sobre isso.”
“Eu sei, não quero pressionar você.”
“Você sabe, eu tenho uma grande possibilidade de ser expulsa da escola, antes de me tornar sua guardiã.” Rose falou alto, atraindo a atenção de todos, ainda contemplando a jóia. Lissa sorriu docemente. Tasha me olhou, como se concordasse com o que Rose tinha falado.
“Bem, se isso acontecer, você devolve.” Lissa disse simplesmente e todos riram. Tasha começou a falar algo, mas parou quando olhou para a porta. A mãe de Rose estava lá, parada.
“Janine!” Tasha exclamou alegremente, como uma boa anfitriã que era, deixando de lado o título de guardiã.
“Desculpe o atraso.” Ela respondeu friamente. “Eu tinha alguns negócios a tratar.”
Eu olhei de relance para Rose que parecia ter perdido um pouco da felicidade que sentia. Janine se juntou a nós e, em pouco tempo o assunto se focou em histórias de guardiões. Ela contava algumas técnicas de luta e eu ouvia atentamente. Ela podia não ser muito boa mãe, mas era uma guardiã excepcional. Sua reputação era algo incrível e ouvi-la falar sempre era uma coisa boa de se fazer. Mason parecia tão compenetrado quanto eu.
“Bom, decapitar alguém não é tão fácil quanto parece. Você tem que passar pelas espinhas e os tendões.”
“Qual a melhor arma para se fazer isso?” Mason perguntou com os olhos brilhando.
“Um machado. Você pode colocar mais força nele.” Ela disse, fazendo um movimento ilustrativo.
“Legal, eu queria que eles me deixassem carregar um machado.” Mason falou inocentemente. O incomodo de Rose pareceu aumentar e ela ficou cada vez mais introspectiva. Pouco tempo depois das trocas de presentes, Lissa e Christian se despediram e saíram. Isso fez com que Rose também se levantasse para ir embora, levando com ela Mason e Janine. Eu lhe dei um breve aceno de despedida e a observei sair, já sentindo falta dela.
“Enfim sós.” Tasha brincou se jogando em um dos sofás. Eu sentei ao seu lado, tentando relaxar. Ela me olhou por alguns momentos. “Existe algum problema com você e Rose? Percebi que vocês mal se falaram. Estavam bem diferentes de quando nos encontramos no lago.”
Eu usei de muito esforço para manter minha expressão neutra e tentei soar indiferente. “Rose é uma boa aluna, mas tem um temperamento forte. Ela não se dá muito bem com a mãe, eu tentei lhe dar alguns conselhos familiares na nossa última aula e acabamos nos desentendendo.” Não era uma mentira, era a verdade contada de outra forma, com alguns fatos sendo omitidos.
“Vocês deviam fazer as pazes. Ela é só uma garota, tem muito o quê aprender ainda na vida. Você, sendo mais velho e seu mentor, deveria dar o primeiro passo em fazer as pazes.”
“Depois eu cuido disso. Acredite, eu sei como lidar com Rose e, além do mais, não estamos brigados.”
“Claro que sabe lidar com ela.” Ela falou reticente. Então começou a passar os dedos pelos meus cabelos. “Você fica comigo hoje? Eu tenho saudade de você, Dimitri.”
Senti uma espécie de luz alerta acender em mim. Eu podia estar tentando seguir minha vida com Tasha, mas definitivamente não estava preparado para dormir com ela, principalmente depois de ver Rose. Eu sabia que isso faria parte do acordo que ela tinha me proposto, mas parecia algo que eu nunca conseguiria fazer novamente. Nós já tínhamos ficado juntos tempos atrás, mas aquilo era um passado tão distante que agora não parecia mais meu. Hoje eu tinha Rose na minha vida e a sensação de estar com ela ainda era viva e ainda ardia dentro de mim. Eu não precisava fechar meus olhos para sentir novamente a pele dela contra a minha, o calor que vinha dela, o seu cheiro, o seu gosto. Era Rose que eu queria, que eu desejava e com ela que eu queria estar.
Eu tinha praticamente saído correndo da cabana, da outra vez que ela me propôs isso, mas hoje eu não podia fazer o mesmo, então me forcei a me manter sereno e controlado.
Eu puxei Tasha para um abraço e dei um beijo em sua testa.
“Eu não posso.” Falei baixo, apertando levemente seus ombros. “Eu tive uma liberação para comemorar o natal, mas preciso voltar. Eu tenho alguns serviços para concluir antes da viagem de amanhã.”
Ela apenas assentiu e ficou ali, aproveitando o meu abraço por alguns momentos, em silêncio. Depois, ergueu o rosto e encarou meus olhos.
“Eu sou tão feliz por ter você em minha vida, Dimka. Eu queria muito que você dissesse sim e que nós dois pudéssemos ficar juntos. Juro que não entendo o que lhe prende aqui.” Os olhos dela eram de um azul intenso, com paixão irradiando deles. Senti um bolo se formar na minha garganta, um grande mal estar tomou conta de mim.
“Eu tenho uma vida aqui, Tasha. E tenho muitas outras coisas para ponderar sobre isso, coisas minhas, pessoais. Você disse que não me pressionaria. Eu queria que você entendesse que minha decisão não está tomada, eu não funciono assim. Não posso simplesmente abandandonar tudo.”
“Desculpe. Estou sendo impertinente, eu sei. Eu estou muito ansiosa com tudo isso. Acho que você também pode me compreender...” Ela parecia engolir um choro. Eu acariciei sua bochecha, a que não tinha a cicatriz.
“Eu preciso ir agora. Feliz Natal, Tasha.” Eu me inclinei e lhe dei breve beijo nos seus lábios.
Ela sorriu. “Nós nos veremos antes do embarque?”
“Claro, eu pego você na cabana, antes de ir para a pista de pouso.” Eu dei uma resposta um tanto quanto sonsa. Eu sabia que ela queria me encontrar de outra forma e não somente como esta que eu havia falado. Ela sorriu novamente, claramente percebendo minha fuga.
Depois que nos despedimos, eu saí de lá e fui para o meu quarto, pensando que tudo seria mais difícil do que se mostrava. Eu havia mentido para Tasha, não tinha trabalho algum para ser feito. Nem sequer Alberta estava na Academia, talvez por algum milagre de natal, ela tinha ido passar o dia com alguns familiares dela. Eu sentei na cama, tentando ler um de meus livros, mas minha mente insistia em uma única preocupação. Como eu podia deixar Rose?
“Estar perto de você me faz muito feliz, Dimka.”
No dia seguinte após o feriado de natal, logo cedo, começou a maratona de viagens para a estação de sky. A Academia tinha à sua disposição vários jatinhos que tornava tudo mais rápido e confortável. As partidas foram escaladas de forma que todas as viagens ocorressem de dia e, quando anoitecesse, todos os alunos e seus parentes já estariam instalados no resort e isso diminuía muito o risco de ataques de Strigois. Como eu era o guardião de Lissa, nós iríamos no mesmo vôo. E, conseqüentemente, Rose iria conosco. Tasha e Christian também. Nosso avião estava programado para partir no horário da tarde, era um dos últimos vôos a sair.
Cerca de uma hora antes do horário do embarque, passei na cabana para ajudar Tasha com as malas. Ela estava particularmente radiante e feliz.
“Nossa, eu estou esperando por uma viagem dessas há muito tempo! Ouvi dizer que o hotel é maravilhoso, mal posso esperar para esquiar naquelas montanhas.” Ela falava enquanto caminhávamos em direção a pista de pouso. Quando chegamos, não demorou muito, e logo embarcamos. Lissa e Christian já estavam lá. Nos os cumprimentamos brevemente. Eu olhei rapidamente em volta procurando ver Rose, mas ela não tinha chegado ainda. Era de se esperar, já que ela não era pontual. Sentei ao lado de Tasha, estranhando por estar em uma das fileiras do meio. Geralmente, eu sentava nos fundos para observar todo movimento.
Um pouco antes da última chamada do comandante do vôo, Rose entrou no avião. Seu olho ainda continuava roxo e sua expressão não era das melhores. Ela não parecia mal humorada, nem nada, mas eu a conhecia bem o suficiente para dizer que ela não estava em seus melhores dias. Meus olhos a seguiram, e eu pude ver que ela ignorou a mim e a Tasha ao passar por nós. Ela seguiu para os bancos traseiros e sentou ao lado de Mason.
Instantaneamente lembrei o que Tasha falou sobre eles serem namorados e senti uma onda de ciúme tomar conta de mim. Era natural e esperado que Rose namorasse um garoto da idade dela, tão natural como seria se eu ficasse com Tasha. Mas essa era uma realidade que eu me recusava a aceitar. Eu torcia mentalmente para aquela viagem passar rápido, assim que pousássemos, eu iria evitar ao máximo estar perto de Rose. Eu havia estudado as plantas do hotel e sabia que era um lugar enorme. Se eu me mantivesse afastado, as chances de encontrar com ela espontaneamente eram mínimas. Eu tinha que me manter distante, pois toda vez que eu a via, sentia toda determinação que eu tinha em esquecê-la, se esvair.
Eu estava perdido em meus pensamentos, quando Tasha tocou na minha mão. “Foi impressão minha ou Rose nos ignorou?” Ela perguntou falando muito baixo.
“Não, não foi impressão sua. Rose é assim mesmo. Não se importe com isso.” Eu disse curtamente, apertando levemente sua mão. Eu tentava parecer natural para ela, mas não conseguia parar de pensar que Rose estava ali, há poucos metros de mim. Reprimi, diversas vezes ao impulso de virar para trás e olhar como ela estava.
Desembarcamos no resort e eu não pude deixar de admirar aquele lugar. Era fantástico. Todo cercado por montanhas, foi construído para parecer uma gigantesca cabana de madeira com três andares e uma arquitetura impressionante. O lado de dentro ele era igualmente incrível. Altamente luxuoso e elegante, tinha sido cuidadosamente preparado para acomodar confortavelmente a todos. Não existia um lado só para guardiões de forma que todos ficaram em quartos espalhados por todo hotel, e tampouco separaram dhampirs e Morois. Mesmo assim, cada família da realeza tinha sua própria ala. Rose estava em um quarto com Lissa e Tasha e Christian teriam, cada um, seus quartos na ala dos Ozeras. Eu dividiria meu quarto com outro guardião da Academia.
Enfrentando todos os protestos de Tasha, que insistia em querer que eu deixasse minhas obrigações e fosse me divertir com ela, coloquei minha mala no quarto, me juntei com um grupo de quatro guardiões para percorrer o hotel. Esse era um procedimento padrão. Sempre que chegávamos a qualquer lugar, tínhamos que verificar tudo e conhecer bem a planta do local. Assim, eu pude ter uma real dimensão do tamanho do resort. Era imenso. Com muitas opções de lazer, também tinha muita área para ser coberta, guardada e vigiada. Ele tinha salões para festas de qualquer tipo, restaurantes requintados, salas de jogos, SPA e até uma ala subterrânea com piscinas térmicas. Nós passamos pelos corredores e pudemos ver como os alunos da Academia estavam contentes por estarem ali. Aparentemente, todos tinham esquecido o real motivo daquela viagem: o pavor que o ataque aos Badicas tinha causado. Mas os guardiões pareciam não ter esquecido disso. Com expressões tensas e posturas de quem ia responder imediatamente a qualquer ataque, passamos por vários grupos deles que se espalhavam por cada canto do hotel.
Inspecionamos toda área interna e depois, partimos para área externa. Já era noite e as sombras das montanhas em volta da construção chegavam a assustar. Existiam alguns postos de vigia espalhados em pontos estratégicos e passamos por todos eles. Eu mesmo estava escalado para estar em um deles, durante um dia inteiro. Paramos em um dos postos que tinha uma visão quase que panorâmica das pistas de sky. Lá podíamos observar de forma discreta toda movimentação da colina. Quando eu estava distraído, olhando um equipamento de comunicação via satélite que tinha ali, um dos guardiões do nosso grupo chamou minha atenção.
“Veja só, Belikov.” Ele estava em pé junto a uma imensa janela de vidro. “Aqueles dois dhampirs suicidas ali no alto da pista. Ao que parece, aquela é a sua aluna, Hathaway.”
Eu levantei rapidamente e parei ao lado dele. Meus olhos congelaram na figura de Rose no topo da montanha mais alta. Senti um frio subir pela minha coluna vertebral. Ela só podia estar louca. Aquela era uma pista extremamente perigosa, provavelmente só utilizada por esquiadores experientes. O quê Rose pretendia com aquilo? Chamar a atenção? Se exibir? Se matar?
“Acho que eles estão se preparando para descer.” Um outro guardião que se juntou a nós falou pensativo. “Aquela é uma pista muito íngreme, cheia de árvores. Espero que eles tenham experiência nesse tipo de descida, caso contrário será um tombo bem feio.”
Com olhos incrédulos, observei quando Rose tomou posição e com um grande impulso, desceu morro abaixo. Senti meus músculos se contraírem de tensão. Em alta velocidade, ela desviava com perfeição dos obstáculos do caminho. Seus movimentos eram precisos e graciosos, porém perigosos. Eu me perguntava quando ela tinha aprendido a esquiar tão bem. Depois da rápida descida, ela parou sã e salva na base da montanha. O alívio correu pelas minhas veias. Olhei em volta e todos os guardiões estavam junto ao vidro assistindo tudo de forma estupefata.
“Parece que temos uma grande esquiadora ali.” Um dos guardiões falou apontando para Mason que estava se preparando para descer. “Vamos ver se aquele outro garoto dhampir repete a mesma proeza.”
Eu voltei a minha atenção para a montanha. Mason começou a descer, mas na primeira manobra, ele pareceu tropeçar em seus esquis e começou a cair, rolando desgovernadamente até em baixo. Quando ele parou, a equipe de instrutores o alcançou, juntamente com Rose. Mason se levantou, parecendo sentir o tornozelo. A maioria dos guardiões se afastou da janela, balançando negativamente a cabeça.
“E pensar que a vida de um Moroi estará entregue nas mãos desses irresponsáveis, em breve.” Um deles exclamou. Eu queria dizer que Rose não era irresponsável, mas diante daquela cena, me faltaram argumentos. Eu permaneci olhando Rose pelo vidro a distância, enquanto ela se afastava com Mason e a equipe de monitores do resort, até perdê-la de vista.
Quando saímos do posto de observação, passamos para um quarto grande do hotel que tinha sido transformado em um verdadeiro quartel general dos guardiões. Alberta liderava todos com uma organização impecável. Dei uma rápida olhada nas escalas e plantões. Como eu havia pedido, ela tinha me colocado em vários deles, quase preenchendo meu tempo inteiro, mas tinha deixado o restante do meu dia atual livre de atividades. Eu me aproximei dela, segurando um papel com os meus turnos.
“Algum problema, Belikov?” Ela falou erguendo os olhos da mesa, onde uma planta do hotel estava aberta.
“Não. Nenhum. Eu só imaginei se você não precisaria de ajuda por hoje. Eu realmente não tenho nada para fazer.”
Ela deu um olhar que seria divertido, se não fosse seu semblante sério de guardiã. “Você estará de folga por hoje, Belikov. Eu já lhe dei mais turnos do que a qualquer outro guardião. E procure algo para fazer. Algo que não envolva trabalho. Não vai ser difícil, em um lugar como esse.”
Eu assenti e sai. Passei pelos corredores, desejando chegar logo ao meu quarto. Eu pensava em passar o resto da noite lendo um dos livros que ganhei de Tasha no natal. O outro guardião que dividia o quarto comigo estaria em serviço o resto da noite, então me concentrei na leitura. Algumas horas depois, batidas na porta me trouxeram de volta do mundo do velho oeste. Quando abri, Tasha aguardava do lado de fora, de braços cruzados.
“Como eu imaginei. Isolado do mundo, lendo um livro.” Ela falou, quando entrou no quarto e olhou para a poltrona onde eu estava sentado e para o livro que eu lia, que estava lá aberto. “Quando você vai parar para se divertir um pouco?”
“Acredite, Tasha, para mim um bom livro é uma grande diversão. E olhe por outro lado. Eu não estou trabalhando agora e estava fazendo o que eu gosto.” Eu disse, pegando o livro. “Não há nada de errado com isso.”
Ela me olhou pensativa por uns instantes. “Ok, que seja, mas eu vim aqui para lhe convidar para jantarmos. Eles têm um excelente time de chefs aqui. O restaurante é divino. Por favor, vamos...” O tom dela era quase implorativo.
“Eu não acho que seria uma boa idéia. O restaurante deve estar repleto de Morois e-“
“Não, Dimka!” Tasha exclamou, me interrompendo. “Você nunca teve problemas em freqüentar restaurantes luxuosos, eu lembro bem de ver você várias vezes acompanhando Ivan.”
“Claro que você viu. Mas em todas as vezes eu estava o acompanhando como guardião. Eu estava fazendo meu trabalho, não soava estranho para ninguém. É bem diferente dessa situação agora. As pessoas não aceitariam, de bom grado, um dhampir acompanhando uma Moroi da realeza, dessa forma.”
“Isso nunca foi problema para nenhum de nós. Nunca nos preocupamos com o que os outros pensavam.”
Eu olhei para Tasha e percebi. Ela não estava conseguindo alcançar onde eu estava querendo chegar. Não era uma questão de se preocupar com o que os outros pensam. Era sobre o meu dever que eu estava falando. Eu, como guardião, não podia simplesmente a acompanhar em jantares e passeios como um namorado. Eu tinha um dever a cumprir, um compromisso em fazer bem o meu trabalho, eu me dedicava a isso, eu me preparava para isso o tempo todo. Mas ela não entendia isso. Talvez por ela me ver como um igual, mas mesmo assim, era uma visão errada que ela tinha de mim.
“Não é sobre isso, Tasha. É só sobre ter cada coisa em seu lugar. E você precisa ter consciência disso, se eu optar em ser seu guardião, o meu principal objetivo será sempre lhe guardar.”
Tasha cruzou os braços, encolhendo os ombros, parecendo extremamente frágil. “Eu não preciso de proteção, Dimka, você sabe disso. Eu fiz essa proposta para lhe ter ao meu lado, como um companheiro.”
Definitivamente ela não entendia. Não adiantava explicar e nem argumentar. Ela nunca entenderia que não era minha meta de vida isso que ela tinha me proposto. Eu não queria uma vida tranqüila e pacata. Eu não ansiava por filhos e uma família feliz. O que eu queria para mim, eu já tinha conseguido e trabalhava para manter.
Eu percebi que o semblante de Tasha estava triste, então lhe abracei suavemente. Rapidamente, ela se envolveu nos meus braços, se apertou contra mim e me beijou. Novamente, eu não conseguia sentir a paixão tomar conta de mim e não conseguia me entregar. Ao mesmo tempo, eu sabia que deveria me esforçar para fazer aquilo dar certo, que tudo dependeria somente de mim. Decidi me deixar levar e antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, Tasha começou a tirar suas roupas e depois, minha camisa. A respiração dela era feroz e seus movimentos muito fortes. A todo momento, o contato que eu tinha tido com Rose naquele feitiço lançado com Victor me voltava. Era como se meus pensamentos me traíssem. A pele dela, o cheiro, o corpo, tudo passava para mim, como se Rose estivesse ali, me vigiando, me observando. Eu tentava me concentrar em Tasha, mas não adiantava, era Rose que eu queria. Uma não podia ser comparada a outra, de nenhuma forma possível ou imaginável.
Quando Tasha me empurrou para a cama, senti meu corpo gritar em alerta e então eu parei tudo bruscamente, me afastando rapidamente dela.
“O q-quê aconteceu, Dimka?” Tasha perguntou com o choque saindo pelos seus olhos.
“Desculpe, eu não posso continuar com isso.” Falei sem a encarar.
“O que há de errado comigo?”
Eu a olhei e me perguntava a mesma coisa. Ela era uma bela mulher e seu corpo também era bem melhor do que a maioria das Morois, devido aos treinos de luta. Mas eu não conseguia sentir um milímetro de desejo.
“Nada. Não há nada de errado com você.”
“Eu sei, eu sei, você vai dizer que o problema é com você.” Ela falou, se sentando na cama, ao meu lado.
“Não. Eu sei exatamente qual é o problema. Eu apenas pensei que poderia resolver tudo de uma maneira que me surgiu, mas eu estava errado.”
“Dimka, realmente hoje você está misterioso. Não consigo entender nada do que você está falando.”
Eu virei para Tasha, que me olhava com apreensão, parecendo ainda não acreditar que eu havia interrompido tudo daquela forma. Ela não tinha culpa. Eu que estava tentando usá-la para consertar uma situação que estava colocando minha vida de pernas para o ar. Aquilo não era justo e nem certo. Eu não podia fazer isso com uma pessoa tão especial como era Tasha. Eu toquei em seu rosto, tentando soar o mais gentil que pude.
“Acho que é melhor você se vestir e ir. Eu não vou conseguir prosseguir com isso... Além do mais, eu assumo um turno amanhã bem cedo.”
“Sempre o trabalho surgindo entre nós. Eu suponho que você irá passar o dia inteiro em serviço.”
“O dia e a noite. É um turno dobrado.” Falei secamente.
“Porque isso, Dimka? Até parece que você está buscando alguma espécie de fuga... Nenhum guardião deste hotel está com tanto serviço.”
Eu permaneci em silêncio, olhando para o chão. Uma grande parte minha se recusava a tentar explicar a Tasha tudo que se passava dentro de mim. Ela suspirou fundo e se afastou, vestindo suas roupas. Poucos minutos depois, ela se ajoelhou na minha frente e me olhou nos olhos.
“Você não quer conversar sobre o que lhe perturba, não é?”
Eu não respondi. E permaneci olhando para frente, colocando minha boa cara imparcial.
“Tudo bem. Você pelo menos promete me procurar quando se livrar dos seus turnos?”
Novamente, não encontrei palavras para responder. Tudo que eu pensava, naquele momento, era ficar sozinho.
“Vou deixar você no seu mundo.” Ela falou, entregando os pontos. Depois de me dar um leve beijo nos lábios, saiu, deixando o quarto em um silêncio perfeito.
Eu deitei na cama, sentindo cada célula do meu corpo arder por Rose. A vontade que eu tinha era de correr para o quarto dela e jogar tudo para o alto. Tudo. Por mais que eu soubese que não podia querer isso, era ela que eu queria, era ela que eu desejava e era dela que eu precisava.

Um comentário:

  1. Muito feio isso querida plagiar historia alheia viu. Vou postar sua pagina em todos as páginas que tenho e que conheço relacionado a VA e vou pedir para não acessarem. E vou divulga a verdadeira autora. Coisa feia isso dá processo tá querida.


    PS: Segue a página da verdadeira autora com todos os livos.

    https://fanfiction.com.br/u/87279/

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